pero no mucho

Dezembro é aquele momento mágico de lembrar das promessas de janeiro que foram pro espaço. Entre “vou fazer pilates toda semana” e “vou trabalhar menos”, uma das únicas coisas que de fato eu cumpri foi ouvir música — muita música (13k scrobbles, para ser exata). E com isso, claro, vem a tradição sagrada de fim de ano: listar os discos que salvaram minha sanidade em 2024.

Se você acha que ainda dá tempo de publicar uma lista no dia 30 de dezembro, bem-vindo ao clube. Aqui estão os 10 discos que definiram meu ano — de shows inesperados a trilhas para crises existenciais. Vale dizer: eles não estão em ordem de preferência, porque escolher um preferido seria crueldade demais.


Fontaines D.C. – Romance Os irlandeses reinventaram sua sonoridade (e o visual) em Romance, trocando a intensidade do post-punk por um “som de estádio” repleto de nostalgia dos anos 2000. Ainda que pareça um disco para multidões, ele mantém a escuridão e o lirismo que sempre foram a marca registrada da banda. É como se eles tivessem explorado novos caminhos sem nunca esquecer suas raízes — um equilíbrio difícil, mas que eles alcançam com maestria nesse quarto disco.

🎧 ouça: Death Kink, Favourite, Starbuster.


Kim Gordon – The Collective Kim Gordon entregou uma aula de como transformar caos e barulho em arte. Entre batidas trap, guitarras industriais e letras que soam como divagações da madrugada, ela capturou a essência de 2024: fragmentada, furiosa e imprevisível. É como se ela transformasse o TikTok Brain em música — e quem mais faria isso com tanto estilo?

🎧 ouça: BYE BYE, I'm a Man, Psychedelic Orgasm.


This Is Lorelei – Box for Buddy, Box for Star Descobrir esse aqui aos 45 do segundo tempo foi um presente. Nate Amos cria um mundo onde humor, melancolia e experimentação coexistem em perfeita harmonia. Desde faixas emocionantes até momentos mais debochados, esse disco foi uma grata surpresa que não saiu do meu repeat.

🎧 ouça: I'm All Fucked Up, Two Legs (Elliot Smith, é você?), An Extra Beat for You and Me.


The Cure – Songs of a Lost World Com um som que ecoa como as últimas luzes de um dia chegando ao fim, Robert Smith entrega um disco melancólico e profundo. É introspectivo e carrega a maturidade de quem sabe como ninguém explorar a beleza na tristeza. Mesmo após 16 anos sem lançar nada, o The Cure mostrou que a tristeza nunca envelhece — ela apenas se refina.

🎧 ouça: Alone, A Fragile Thing, All I Ever Am.


Mannequin Pussy – I Got Heaven Marisa Dabice canaliza energia crua e transforma desejo, raiva e vulnerabilidade em arte. A vocalista não só canta, mas domina cada faixa com uma presença visceral que vai do punk ao pop. Esse disco é intenso, divertido e, ao mesmo tempo, profundamente humano. Um dos mais ouvidos do meu ano.

🎧 ouça: Loud Bark, Sometimes, Nothing Like.


Billie Eilish – Hit Me Hard and Soft Billie e Finneas exploram o amor e a autodescoberta com uma honestidade desconcertante. Cada faixa é como um diário aberto, cheio de experimentação sonora que vai de momentos sutis a explosões de grandeza. Mais um disco que prova por que Billie é uma das vozes mais únicas da sua geração.

🎧 ouça: CHIHIRO, THE DINER, BIRDS OF A FEATHER.


Clairo – Charm Charm é um disco que se desenrola como uma coleção de memórias cuidadosamente preservadas. Clairo, com sua voz sutil, narra momentos que são, ao mesmo tempo, universais e profundamente pessoais. A produção combina elementos retrô com um frescor moderno, criando uma atmosfera que envolve do início ao fim. É o tipo de disco que não grita por atenção, mas conquista pela sua sinceridade.

🎧 ouça: Second Nature, Sexy to Someone, Add Up My Love.


NewDad – Madra Já curtia o NewDad desde os primeiros EPs lançados, então, quando descobri que teria a chance de vê-los ao vivo durante uma viagem de trabalho a Dublin, foi como alinhar os astros. Madra, o disco de estreia, expande tudo o que já era promissor: um dream-pop melancólico com camadas de shoegaze que encantam. Assistir ao show tornou a experiência ainda mais especial, consolidando o lugar deles entre os meus preferidos do ano.

🎧 ouça: Angel, Madra, Let Go.


The Smile – Wall of Eyes Thom Yorke e Jonny Greenwood continuam a se reinventar. Jazz, prog, e uma dose saudável de experimentação fazem do disco uma jornada sonora que só poderia vir da mente brilhante por trás do Radiohead.

🎧 ouça: Read the Room, Friend of a Friend, Wall of Eyes.


DIIV – Frog in Boiling Water Um disco que transforma frustrações sobre capitalismo e sociedade em guitarras melódicas cheias de reverb. Tive o prazer de vê-los ao vivo no Cine Joia e as músicas do disco novo ganharam uma intensidade ainda maior no show. DIIV canaliza tensão e desespero de forma que cada faixa parece um grito abafado — e ainda assim, incrivelmente belo.

🎧 ouça: Brown Paper Bag, Soul-net, In Amber.


2024 foi um ano de altos e baixos (mais baixos do que eu gostaria e mais altos do que eu esperava – ótimo!), e esses discos foram o fio condutor que me manteve seguindo em frente. Cada disco, à sua maneira, ofereceu um refúgio, uma válvula de escape ou apenas um bom motivo para colocar os fones e ignorar o mundo.

Se algum deles passou batido por você, ainda dá tempo de corrigir esse erro antes da virada. Porque 2025 promete — e nada como boas trilhas sonoras para acompanhar o caos.

Ouvi falar de cozy tech pela primeira vez na matéria The Fantasy of Cozy Tech, da New Yorker. É aquele conceito bonitinho, prometendo trazer conforto e acolhimento para o nosso mundo digital frio e impessoal. Parece fofo, né? Mas por trás da capa de “relaxamento” e “tranquilidade” estão os mesmos interesses de sempre: capturar sua atenção, seus dados e, claro, seu dinheiro.

Enquanto a cozy tech tenta nos convencer de que dá para se sentir abraçado por um joguinho fofo e relaxante como Royal Match (sério, eu pego no sono jogando esse troço) ou pelo design “simpático” de um assistente virtual, eu me pergunto: isso aí é só uma versão digitalizada do conceito de hygge? E, mais importante, será que dá para replicar o que é essencialmente humano em um mundo digital?

Minha introdução ao aconchego dinamarquês

Eu fui apresentada ao conceito de hygge quando visitei Copenhague. Lá, entendi que hygge não é só um estilo de vida; é quase uma filosofia de bem-estar. Sabe aquela sensação de estar num ambiente que parece te abraçar? Hygge é isso. É compartilhar um jantar com amigos, curtir um livro numa tarde chuvosa ou até mesmo a pausa para um café no meio da correria.

É algo que vai além de objetos bonitinhos ou cenas dignas de Instagram. Hygge é sobre presença. Não dá para acelerar, não dá para forçar – e, definitivamente, não dá para digitalizar.

Cozy cech: um hygge genérico, by Amazon

A cozy tech quer entrar nessa onda, mas com um detalhe importante: ela é vendida como produto. Jogos relaxantes, assistentes com vozes tranquilas, gadgets com design minimalista…tudo para tentar fazer você sentir que tecnologia não precisa ser estressante. É como se dissessem: “confia, somos diferentes!”. Spoiler: não são.

Enquanto o hygge é um conceito que você vive, cozy tech é algo que você consome. É menos sobre um momento ao redor de amigos e mais para um “olha como nosso dispositivo é fofinho enquanto coleta seus dados em segundo plano”. A diferença? O primeiro aquece o coração, o segundo apenas aquece a conta bancária de bilionários.

O hygge digital é possível?

A pergunta de um milhão de reais: dá para a tecnologia capturar o verdadeiro hygge? Até certo ponto, dá para entender o apelo. Mas o hygge é sobre conexões reais, e tecnologia não entrega isso. Não adianta ter um robô fofinho me chamando pelo nome se não tem uma pessoa de verdade no outro lado, não dá para substituir o abraço de um amigo por um emoji animado, por mais “aconchegante” que ele pareça.

Nem tudo pode ser embalado e vendido

Cozy tech é uma tentativa engraçada de humanizar o que, por definição, não é humano. Dá para admirar o esforço, mas a verdade é que a tecnologia nunca vai alcançar o nível de conexão que o hygge exige. No máximo, ela pode criar pequenas ilhas de alívio num mar de notificações e feeds infinitos.

Talvez o segredo não seja desligar completamente o mundo digital, mas reconhecer o que ele não pode oferecer. Hygge é sobre o toque humano, o calor de momentos reais, a simplicidade que não precisa de um código-fonte para funcionar. Cozy tech tem seu charme, mas sejamos honestos: o que realmente aquece a alma não carrega via cabo USB.

Hoje, minha mãe faria 62 anos. Ela se foi em 2021, mas nunca realmente partiu. Continua aqui, nas memórias, nas músicas que ouvimos juntas, nos conselhos (e ralhos) que só ela sabia dar. Está no reflexo do espelho, nas escolhas que faço, no sorriso que, em muitos dias, eu tento dar like I mean it.

“Luto é amor que não tem onde ir.” Li essa frase em algum lugar, talvez perdida entre as páginas de Notas sobre o Luto da Chimamanda Ngozi Adichie ou Aos Prantos no Mercado da Michelle Zauner (mais conhecida como Japanese Breakfast). Essas duas obras se tornaram uma espécie de trilha sonora literária da minha saudade, me ajudando a decifrar o enigma que é viver com a ausência de alguém tão essencial. Chimamanda escreve sobre como o luto é tão visceral quanto físico, como se algo dentro de nós fosse arrancado sem aviso. Zauner descreve como os pequenos detalhes — comida, música, cheiros — se tornam portais para um tempo em que o mundo ainda fazia sentido. Entre as duas, encontrei conforto e também um espelho: a ausência da minha mãe não é apenas uma saudade. É uma reconstrução diária de quem eu sou sem ela.

E se reconstruir, na prática, é um trabalho complexo. É como montar um quebra-cabeça em que faltam peças importantes, mas você tenta preencher os vazios com o que sobrou: memórias, risos, pedaços de conversas. Minha mãe deixou um quebra-cabeça de mil cores, mas também um buraco no meio da imagem. E é impossível não olhar direto para ele.

Minha mãe iluminava todos os espaços que ocupava, como um farol. Era o coração das festas de família, a amiga que todos queriam por perto, a pessoa que sabia exatamente o que dizer, seja para me consolar ou para me empurrar em direção ao que eu mais temia. The Killers tocava na trilha sonora das nossas viagens de carro, e Smile Like You Mean It era uma das preferidas dela. Hoje, esse refrão ecoa nos meus dias como um desafio: sorrir apesar de tudo. Sorrir porque ela gostaria que eu fizesse isso.

A ausência da minha mãe me ensinou que o luto não é um estado, mas um processo, uma convivência. Há dias em que ele é ensurdecedor, preenchendo todos os cantos da casa e da mente. Outros, é mais sutil, como um fundo musical constante. O tempo não suaviza o luto; ele apenas nos ensina a acomodá-lo, como um móvel pesado que nunca sai do lugar, mas que aprendemos a contornar.

Em dias como hoje, quando o peso da saudade parece insuportável, tento canalizar o que ela era. Tento ser luz para os outros, como ela foi para mim. Tento sorrir para os desafios, como ela faria. Tento, acima de tudo, lembrar que viver com intensidade, mesmo com as cicatrizes do luto, é a maior homenagem que posso prestar a ela.

Minha mãe faria 62 anos hoje. E enquanto ouço Smile Like You Mean It no repeat, percebo que não importa quanto tempo passe, ela continua aqui, presente nas batidas da música e do meu coração. Com lágrimas nos olhos, sorrio.

Enter your email to subscribe to updates.